Criança Negra na Casa Grande
Ao invés de ficar analisando a lei do Ventre Livre, prefiro que os meus leitores tenham a oportunidade de ler o texto dela na integra e tirarem suas conclusões. Verão com certeza que a Abolição não foi um processo simples e fácil e sim gradativo e bem negociado, mas que pecou por uma lei Áurea, sem artigos que produziriam indenização e promoção social das pessoas que foram escravas.
LEI DO VENTRE LIVRE
Lei nº. 2 040, de 28 de setembro de 1871
Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros e providencia a criação e tratamento daqueles filhos menores e dispõe sobre a libertação anual de escravos.
A Princesa Imperial Regente, em nome de S. M. o Imperador e Sr. D. Pedro II, faz saber a todos os cidadãos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1º — Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.
§ lº — Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a ida de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de 30 anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 300 dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
§ 2º — Qualquer desses menores poderá remir-se do ônus de servir, mediante indenização pecuniária, que por si ou por outrem ofereça ao senhor de sua mãe, procedendo-se à avaliação dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre o quantum da mesma indenização.
§ 3º_ Cabe também aos senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquelas estiverem prestando serviços. Tal obrigação, porém, cessará logo que findar a prestação de serviços das mães. Se estar falecerem dentro daquele prazo, seus filhos poderão ser postos à disposição do Governo.
§ 4º — Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de Oito anos, que estejam em poder do senhor dela por virtude do § 1 lhe será entregues, exceto se preferir deixá-los e o senhor anuir a ficar com eles.
§ 5º — No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, menores de 12 anos, a acompanharão, ficando o novo senhor mesma escrava sub-rogado nos direitos e obriga
§ 6º— Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no § 1 se por sentença do juízo criminal, reconhecer-se que os senhores das 6sães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
§ 7º_ O direito conferido aos senhores no § la transfere-se nos casos de sucessão necessária, devendo o filho da escrava prestar serviços à pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.
Art. 2º — O Governo poderá entregar as associações por ele autorizadas os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do Art. IC § 6 § 1 — As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos, e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:
§ lº - A criar e tratar os mesmos menores. 2 — A constituir para cada um deles um pecúlio, consistente na quota que para este fim for reservada nos respectivos estatutos. 3 — A procurar-lhes, fim do o tempo de serviço, apropriada colocação.
§ 2a — As associações de que trata o parágrafo antecedem te serão sujeitas à inspeção dos Juízes de Óficios, quando menores.
§ 3º_ A disposição deste artigo é aplicável às Casas dos Ex postos, e às pessoas a quem os Juízes de Órfãos encarregarem da educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos criados para tal fim.
§ 4º — Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos públicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o § l impõe às associações autorizadas.
Art. 3 — Serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação.
§ lº — O fundo de emancipação compõe-se de: 1. Da taxa de escravos. 2. Dos impostos gerais sobre transmissão propriedade dos escravos. 3. Do produto de seis loterias anuais, isento de impostos e da décima parte das que forem concedidas de ora em diante para correrem na capital do Império. 4. Das multas impostas em virtude desta lei. 5. Das quotas que sejam marcadas no Orçamento Geral e nos provinciais e municipais. 6. De subscrições, doações e lega dos com esse destino.
§ 2º — As quotas marcadas por Orçamentos provinciais e municipais, assim como as subscrições, doações e legados com destino local, serão aplicadas à emancipação nas Províncias, Comarcas, Municípios e Freguesias desiguais.
Art. 4 — É permitido ao escravo a formação de um pecúlio como que lhe provier de doações, legados e heranças, e com economias. O Governo providenciará nos regulamentos
sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio.
§ 3º — Por morte do escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao seu cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmitirá aos seus herdeiros na forma da lei civil.
Na falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação, de que trata o art. 35•
§ 2º — O escravo que, por meio do seu pecúlio, obtiver meios para a indenização de seu valor, tem direito a alforria. Se a indenização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas
judiciais ou nos inventários, o preço da alforria será o da avaliação.
§ 3º_ É, outrossim, permitido ao escravo, em favor de sua liberdade, contratar com terceiro a prestação de futuros ser viços por tempo que não exceda de sete anos, mediante o consentimento do senhor e a aprovação do Juiz de Órfãos.
§ 4º — O escravo que pertencer a condôminos e for libertado por um destes, terá direito a sua alforria indenizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer. Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos, em conformidade do parágrafo antecedente.
§ 5º — A alforria com a cláusula de serviços durante certo tempo não ficará anulada pela falta de implemento da mesma cláusula, mas o liberto será compelido a cumpri-la por meio de trabalhos nos estabelecimentos públicos ou por contratos de serviços a particulares.
§ 6º — As alforrias, quer gratuitas, quer a título oneroso, serão isentas de quaisquer direitos, emolumentos ou despesas.
§ 7º Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges e os filhos menores de doze anos, do pai ou da mãe.
§ 8º — Se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum deles preferir conservá-la sob seu domínio, mediante reposição da quota-parte dos Outros interessados, será a mesma família vendida e o seu produto rateado.
§ 9º — Fica derrogada a Ord. Liv. 4º tít. 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.
Art. 5º_ Serão sujeitas à inspeção dos Juízes de Órfãos as Sociedades de emancipação já organizadas e que de futuro se organizarem.
§ único— As ditas sociedades terão privilégios sobre os serviços dos escravos que libertarem, para indenização do preço da compra.
Art. 6º- serão declarados libertos:
§ lº Os escravos pertencentes à Nação, dando-lhes o Governo a ocupação que julgar conveniente.
§ 2º — Os escravos dados em usufruto à Coroa,
§ 3º - Os escravos de heranças vagas
§ 4º — Os escravos abandonarem por seus senhores . Se estes os abandonarem por inválidos, serão obrigados a alimenta-los, salvo o caso de penúria, sendo os alimentos taxados pelo Juiz de Órfãos.
§- 5º - Em geral, os escravos libertados em virtude desta lei ficam durante cinco anos sob a inspeção do Governo. Eles são obrigados a contratar seus serviços sob a pena de serem constrangidos, se viverem por vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho sempre que o liberto exibir contrato de serviço.
Art. 7º - Nas causas em favor da liberdade:
§ 1º O processo será sumário.
§ 2 -Haverá apelações ex-oficio quando as decisões forem contrárias à liberdade.
Art. 8º — O Governo mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes no Império, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um se for conhecida.
§ l° - O prazo em que deve começar e encerrar-se a matrícula será anunciado com a maior antecedência possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserta a disposição do parágrafo seguinte.
§ 2º — Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados à matrícula até por um ano de pois do encerramento desta, serão por este fato considera dos libertos.
§ 3º — Pela matrícula de cada escravo pagará o senhor por uma vez somente o emolumento de 500 réis, se o fizer dentro do prazo marcado, e de 1$000 réis se exceder o dito prazo. O produto desse emolumento será destinado às despesas de matrícula e o excedente ao fundo de emancipação.
§ 4º - Serão também matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava, que por esta lei ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligência, na multa de l00$000 a 200$000, repetidas tantas vezes quantos forem os indivíduos omitidos, e por fraude nas penas do art. 179 do código criminal.
§ 5º - Os párocos serão obrigados a ter livros especiais para o registro do nascimento e óbitos dos filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos à multa de 1 00$000.
Art. 9º -_ O Governo em seus regulamentos poderá impor multas até 1 00$000 e penas de prisão simples até de um mês. Art. 10— Ficam revogadas as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades a quem o conheci mento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O Secretário de Estado de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a faça imprimir, publicar-se e correr.
Data no Palácio do Rio de Janeiro, aos 28 de setembro de 1871, 50º da Independência e do Império – Princesa Imperial Regente – Teodoro Machado Freire Pereira da Silva.
6 comentários:
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