Preconceito de Cor
Eu assino embaixo doutor por minha rapaziada
Somos crioulos do morro, mas ninguém roubou nada
Isso é preconceito de cor vou provar ao senhor
Porque é que o doutor não prende aquele careta
Que só faz mutreta e só anda de terno
Porém o seu nome não vai pró caderno
Ele anda na rua de pomba rôlo
A lei só é implacável para nós favelados
E protege o golpista , ele tinha de ser
O primeiro da lista
Se liga nessa doutor ih
É vê se dá um refresco isso não é pretexto
Pra mostrar serviço
Eu assumo o compromisso
Pago até a fiança da rapaziada
Porque que é que ninguém mete o grampo
Num pulso daquele de colarinho branco
Roubou jóia e o ouro da serra pelada
Esses versos na crise envolvendo de A a Z na política nacional, é mais do que adequado. E o autor dele, infelizmente nos deixou há alguns anos: Bezerra da Silva. Ele faz falta hoje no samba, onde ouvirmos pagodeiros conseguir só rimar, amor com dor ou flor, numa mediocridade poética e omissão social sem tamanho.
A historia de Bezerra da Silva começa em 1938, na capital de Pernambuco – Recife. Lá nasceu no dia 9 de março, com o nome José bezerra da Silva. Mas a vida pernambucana não lhe dava muitas alternativas. Não demorou e em 1953, com apenas quinze anos de idade, ele fugiu de casa em direção ao “sul maravilha”. Enfiou-se clandestinamente num navio que transportava açúcar.
Chegando ao Rio de Janeiro, com uma mão na frente, outra atrás, Bezerra, acabou encontrando emprego só na construção civil, no seu ganha pão por muitos anos – pintor de paredes. Como não possuía nem dinheiro e nem parentes para alojá-lo, acaba morando de favor nas obras, em que trabalhava.
Mas a paixão por uma moradora do morro do Cantagalo, mudou sua vida. Entre beijos e abraço, obteve a chance de morar com ela, na pobre zona sul carioca. Mas não queria passa a vida nessa miséria e se aventurou na musica, pois já tinha talento desde criança.
Em primeiro lugar, Bezerra, começou se apresentar junto com Jackson do Pandeiro – um conterrâneo nordestino. E muito esperto, logo consegue através de amizades, emprego como ritmista na Radio Clube. Tamborim, surdo e outros instrumentos de percussão, eram com ele mesmo. E nessa convivência compõe suas primeiras musicas: O Preguiçoso e Meu Veneno, em parceria com Jackson. E assim consegue aos 31 anos seu primeiro disco gravado. Um compacto com as duas canções, que saiu pela Gravadora Copacabana.
Mais isso ainda não foi seu estrelato. Para sobreviver, foi trabalhar na orquestra da recém criada Rede Globo. Era um exímio violonista, com formação no clássico. E lá ficou até 1977, mas o salário é pouco e mal dava para sobreviver.
Vivendo desde criança o dilema da pobreza e a convivência dentro da Globo com grandes figuras e artistas, formou sua consciência critica e deu inspiração para suas canções e compõe seus primeiros sambas marginais e em 1975 grava seu primeiro LP e não para mais.
Mas semelhante à Zeca Pagodinho, que sempre lança novos compositores, assim é Bezerra. E seus parceiros são mais exóticos: 1000tinho, Barbeirinho do Jacaré, Baianinho, Em Cima da Hora, Embratel do Pandeiro, Trambique, Zé Dedão, Popular P., Pedro Butina, Simão PQD, Wilsinho Saravá, Rubens da Mangueira, Pinga, Dunga da Coroa, Jorge Laureano, Adelzo Nilto e Edson Show – entre os mais conhecidos. Todos têm seus nomes devidamente creditados nas musicas.
A exemplo do que o Rap fala hoje, ele sempre foi o único sambista brasileiro a falar a linguagem da periferia e traduzi-la para o grande publico. Tinha muito conhecido da legislação criminal, devido à amizade com advogados e por suas formação autodidata em Direito. Desafiar a estrutura policial era sua intenção preferida.
Uma analise mais profunda em suas letras demonstram um perfeito senso social e étnico. Também é um dos poucos a defender a Comunidade Negra e por denunciar a exploração do povo, era e é ainda muito marginalizado pelos meios de comunicação.
Devido sua amizade com ex-companheiros de trabalho, foi ironicamente na TV Globo que teve sua obra mais divulgada, nos anos 80, através dos videoclipes apresentados no programa Fantástico. Apesar disso tudo, não gostava de ser definido como pagodeiro – era até ofensa – por sua critica aos outros sambistas que em sua opinião faziam na musica um simples ganha pão.
Fez mais de 29 discos, totalizando a venda de 3 milhões de cópias vendidas, mas era discriminado pelas emissoras. Eu tocava sua musica no Programa “Clube do Samba” na emissora comunitária Estrela FM, em Bebedouro. Alegria era ver que os ouvintes gostavam e pediam mais. Tirando os aqueles e aquelas que gostavam de ouvir só o pagode tipo “Boticário”.
A editora Jorge Zahar publicou um livro escrito por Letícia Vianna sobre a historia do partideiro – “Bezerra da Silva: Produto do Morro”. Era filho de Ogum e adepto da Umbanda, mas no fim da sua vida tinha feito uma inexplicável conversão como evangélico.
Infelizmente não deixou herdeiros de seu estilo musical. Composições como: "Malandragem Dá um Tempo", "Seqüestraram Minha Sogra", "Defunto Cagüete", "Bicho Feroz", "Overdose de Cocada", "Malandro Não Vacila", "Meu Pirão Primeiro", "Lugar Macabro", "Piranha", "Pai Véio 171", "Candidato Caô Caô", são únicas.
Foi homenageado por Marcelo D2 e pelo Grupo Barão Vermelho, com regravações de suas musicas. Um fã declarado dele era Mano Brown do grupo Racionais Mcs.
Em 1995 gravou "Moreira da Silva, Bezerra da Silva e Dicró: Os Três Malandros In Concert", uma paródia ao show dos três tenores, Pavarotti, Domingo e Carreras. Deles apenas Dicró permanece vivo.
Malandro é malandro/Mane é mane
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