É noite e os homens vão chegando, no porão de uma bela casa, localizada na ladeira da Praça. Todos entram murmurando baixinho e cordialmente: As-Salamm-Alaikum e ouvindo como resposta: Wa-Alaikum-Salaam. É lá que Manoel Calafate reúne negros libertos ou escravizados, para iniciá-los nos ensinamentos do Alcorão e prepará-los para uma batalha pela liberdade. Será a maior revolta urbana de negros. Entretanto, eles não sabem, mas todos os planos já foram delatados para as autoridades policiais. Em pouco tempo, ao invés de lutar pelo povo negro mulçumano, terão primeiro que manter a própria vida.
A Revolta dos Malês, assim denominada pelo senhores de escravos e seus historiadores, foi na verdade uma Grande Insurreição Urbana Negra e Mulçumana ocorrida no dia 25 de janeiro de 1835, é dos episódios mais importante e pouco divulgados da História do Brasil. Mostra não só a força e estratégia da população negra, onde fielmente é retratada a resistência daqueles que eram islamizados ao Sistema de Escravidão.
Osman Dan Fódio
Mas ela começa anos atrás e em outra latitude e longitude – no Sudão. Naquele país já assolado pela escravização do povo, um líder religioso lançou uma Jihad – uma guerra santa, iniciada em 1804. Ele era Osman Dan Fódio. Ele nasceu em 1754, na cidade Godir e era um fervoroso seguidor de Maomé.
Numa luta contra a decadência da sociedade sudanesa, Osman, lança com um exercito de seguidores uma batalha de implantação do Islamismo, que tem inclusive a promessa de acabar com o envio de mulçumanos ao regime de escravidão no continente americano. Muitos hauças que estavam no Brasil tinham feito parte dos seguidores de Osman Dan Fódio, que também decretaram em solo brasileiro uma Jihad contra o sistema de escravidão brasileiro, um colocaram como meta a conversão de negros à fé em Alá.
Independência do Haiti
Outro fato influenciador para a Grande Insurreição foi à vitória dos negros no Haiti, em 1804, que após uma guerra, vencerá até as treinadas tropas de Napoleão Bonaparte. Os relatos chegaram ao Brasil através de marinheiros e alarmou os senhores de escravos. Sem também esquecer a ainda forte presença da coragem dos moradores da extinta República de Palmares, que conseguiram por 100 anos resistir à escravidão.
Revoltas de 1807 e 1813
Com todos estes fatores, o clima nas senzalas estava esperançoso como nunca, de uma união de todas etnias africanas, para rebentar com os elos das correntes que os prendiam. E assim aconteceram com muitas tentativas de estabelecimento da liberdade. A primeira ocorre em 1807, no dia 26 de maio, quando uma rebelião negra hauças, dirigida por mulçumanos é reprimida, depois da delação do movimento. Eles se rearticulam para na madrugada do dia 28 de fevereiro de 1813, num grupo de seiscentos negros, com a meta de conquistar a capital – Salvador. Na cidade de Itapoã, onde são detidos por fazendeiros e a força policial.
No mesmo ano, um outro grupo, tentou novamente tomar a capital baiana, no dia 24 de junho – aproveitando-se a grande festa de São João, que deixavam as defesas da cidade relaxadas. Mas foram delatados, por um dos integrantes um negro hauça, de nome João, por uma motivação egoísta: estava descontente, pois queria que a rebelião fosse deflagrada no dia 10 de junho. 39 pessoas foram detidas, em um processo que terminou em 1814. Resultados – doze faleceram nas péssimas condições das prisões, quatro foram enforcados na praça da Piedade, em 18 de novembro e o restante degredado para Angola, Bengala e Moçambique.
Insurreição em 1830
No ano de 1830, com outra tentativa frustrada de rebelião negra, no dia 10 de abril. Primeiramente um grupo de negros escravizados, conseguiu se articular e realizaram um ataque surpresa a uma loja de armas, na ladeira da Fonte das Pedras, em Salvador. Após dominar o proprietário, Francisco José Tupinambá, conseguem doze espadas. Depois foram em direção a Casa de Ferragens, mas são detidos no caminho, por senhores de escravos e seus funcionários, armados de bacamartes e espadas.
Estrategicamente eles recuam e se refugiam dentro de uma casa. Refeitos do susto, se reagrupam e atacam uma outra casa de ferragem e adquirem mais armas. Com a repercussão da vitória, pessoas escravizadas acabam aderindo e somando-se ao grupo rebelde, chegando num total de 100 integrantes.
Com esse numero de guerreiros, o grupo tenta tomar uma base da policia, onde estavam sete soldados e um sargento. Pegos de surpresa, os guardas são derrotados. Mas os fazendeiros, com seus empregados unem-se a outro grupo de policiais, que bem armados, conseguem derrotar o grupo de rebeldes, matando 50, fazendo 41 prisioneiros. No final: são apontados como líderes os afro-brasileiros Nicolau e Francisco e são condenados a 400 chicotadas, divididas em 50 açoites diários.
A Grande Insurreição de 1835
Portanto, quando chegam em 1835, já há muito experiência e grau de preparação é grande, para evitar erros e enfim tomar a cidade de Salvador. Mas a motivação é religiosa: uma guerra santa contra os brancos cristãos e a conversão de negros para a crença em Alá.
A organização foi feita com meses de antecedência onde os lideres, formaram coordenadores, encarregados e percorrer a zona rural e conseguir a adesão fr mais negros. Havia ainda um clube secreto em Vitória, nos fundos da casa de um inglês de nome Abrão.
Em Salvador os pontos de reuniões eram as casas de Belchior da Silva Cunha, Pacifico Licutã, Manuel Calafate, Elesbão Dandará e Luís Sanim, entre outras.O grupo rebelde foi estrategicamente ramificado entre as Calafate, Belchior, Sanim, Dandará e Licutã e do outro lado outros negros dirigidos por Jamil, Diego e James – formado dois núcleos. Eles ainda contavam com um fundo de financiamento que chegou a quase 80 mil réis, recolhidos entre os simpatizantes da causa.
Mas como uma verdadeira Jihad, era necessária a coordenação religiosa de um grande muláh. Esse papel foi exercido por um dos personagens mais misteriosos da insurreição: Ahuna. Era um nagô, de aproximadamente 40 anos, que tinha no rosto quatro sinais étnicos. Tinha o respeito de todos os outros líderes, por sua coragem e fé em Alá. Nos relatos oficiais, todos os interrogados sob tortura, refeririam como Ahuna como o comandante máximo da revolta. Mas não há muitas informações precisas sobre sua identidade. O pouco que se sabe é sua moradia – uma habitação na região do Pelourinho, e que teria ido até o Recôncavo para conseguir adeptos a causa.
O plano era extremamente elaborado: um grupo partiria de Vitória, conquistando território e matando os brancos que resistissem. Este grupo ainda estava encarregado de ir a direção a Salvador, passando por Água dos Meninos, e em seguida, marchar para Itapagipe, conseguindo adesão de pessoas escravizadas. Chegando na capital baiana, se uniriam aos grupos rebeldes dentro da cidade, onde ao sinal de um foguete a ser lançado, cairiam sobre as forças policiais, e destituir as autoridades.
A proposta tinha uma grave falha: era direcionado apenas para os negros convertidos para o Islamismo. Entre as medidas extremas estava previsto inclusive o assassinato das pessoas que se recusavam a se converter e a transformação dos “infiéis” em escravos novamente. Uma verdadeira perversão do Alcorão, e um perigo para os africanos de outras etnias que se recusavam optar por esta situação: deixar a submissão ao branco e cristão, para serem subjugados por africanos maometanos.
Com base neste defeito na estratégia, aliado a falta de armamento condizente para enfrentar as forças policiais e os senhores de escravos, e o medo de outros negros, novamente a tentativa de revolução foi detida por uma traição. A acusada é a liberta Guilhermina Rosa de Souza, que procurou um negociante de escravo, André Pinto de Silveira, no dia 24 de janeiro – na véspera. Este avisou o chefe da policia Francisco Gonçalves Martins, que com base nas informações de Guilhermina foi a todos os locais de concentração rebeldes com seus soldados aliados por uma milícia armada de brancos e prendeu alguns lideres, para desmantelar o plano.
Avisado por espiões, os lideres resolveram por em andamento o plano na noite do dia 24 de janeiro. Da casa de Calafate, já partiu para o dar a vida em nome dos companheiros e de Ala. A coragem era explicada pela crença de somente os corajosos, poderem entrar no paraíso mulçumano. Foram até o local, onde Pacifico Lucitã estava preso, mas devido à resistência dos policiais, recuaram. Mas Chegando no Largo do Teatro, conseguiram fazer recuar os policiais, desta vez.
Na cidade baixa, próxima a praia, os guerreiros, alguns vestidos de roupas vermelhas e turbantes, travaram seu embate definitivo com os policiais. De um lado o próprio chefe dos guardas, Francisco e do outro Ahuna com seus guerrilheiros mulçumanos. Defronte ao Forte de São Pedro se atracaram. Com o uso da cavalaria, previamente acionada, os policiais venceram, e mataram 40 pessoas negras. Outros ainda tentaram fugir, nadando, mas no mar a espera deles, estava uma fragata, que carregada de soldados, massacrou muitos a tiro e a golpes de espadas. Por muitos dias depois as ondas nas praias de Salvador, trouxeram corpos desses guerreiros.
Cercado os grupos rebeldes, todos foram encarcerados. No total 281 pessoas, inclusive com inocente entre os detentos. Muitos foram condenados a centenas de açoites e outros degredados para África. Foram sentenciados a forca: Jorge da Cunha Babosa, Jose Francisco Gonçalves, que eram libertos, junto com os escravizados Gonçalo, Joaquim e Pedro. Mas as autoridades não encontraram ninguém com coragem de enforcá-los, sendo obrigados a fuzilá-los, honra só permitida a brancos.
A cidade nunca esqueceu dessa batalha. Em 1844 uma outra tentativa foi tentada por Francisco Lisboa e Marcelino de Santa Escolástica, sobreviventes da Grande Insurreição de 1835. Mas também foram delatados, desta vez, pela mulher de Francisco.
O que significa Male?
Na verdade ainda é um grande mistério o termo. Os hauças mulçumanos, se auto identificavam musulmi. Mas segundo o escritor Braz do Amaral, o nome deve ser derivado da palavra Má-lei, ou seja, escravo contra a legislação, rebelde.
Francisco Nina Rodrigues julgava que o male vem de mulçumanos negros de Mali, um reino de Niger, como descreve em seu livro Africanos do Brasil. O que é refutado por outros sociólogos, pois a revolta foi mulçumana, mas não só de uma etnia africana.
Luiza Mahin
Exceto através das declarações do advogado abolicionista Luiz Gama, não há muita informação sobre a participação de Luíza Mahin na Revolta dos Malês. Há indícios de que esta estaria ligada ao grupo de Manuel Calafate, mas que teria escapado entre os sobreviventes. Não lhe é creditada a liderança, em nenhum dos depoimentos colhidos pela Policia, mas é bom salientar que de forma honrosa, os interrogados não delataram os companheiros, mesmo sob forte tortura.Luiza seria uma nagô, da Costa da Mina, da etnia jejê, nascida livre em 1812. No período da Grande Insurreição de 1835, trabalhava como quitandeira, e por isso, era uma das pessoas que ajudavam a convidar pessoas para a causa mulçumana. A ultima informação de Gama sobre ela, que era sua mãe, é que ela teria saído de Salvador em direção ao Rio de Janeiro. Há teorias de que ela possa ter participado de outras insurreições e teria sido ou morta ou degredada, mas sem confirmação oficial, através de documentos
4 comentários:
simplesmente um bostaa..ki porcaria, num tem mais nda pra feze naum kraa?
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito ,para que todo aquele que nele crê não pereça ,mas tenha a vida eterna .Jo 3 .16
Deus não faz acepção de pessoas Atos 10 :34
a salvação Marco é somente por meio de Jesus ,Ala não deu a vida pra te salvar ,Jesus Cristo sim e ele te ama ,é quer que vc o conheça .
parabéns pelo blog. excelente artigo.
Nunca vi tanta verdades ao mesmo tempo...
abçs e até a revolução!
Queria saber o que houve antes da revolta dos Malês??
Obrigada
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