segunda-feira, maio 30, 2005

PIERRE DOMINIQUE TOUSSAINT-BRÉDA


“Pense no Haiti, reze pelo Haiti”

Após um artigo de Demetrio Magnoli no Jornal Folha de São Paulo sobre o Haiti, fui pesquisar qual era a verdadeira Historia daquele povo e as razões de seu atual sofrimento e me deparei com a vida de: Pierre Dominique Toussaint-Bréda, denominado o Spartacus Negro. Depois entendi o fato das elites brasileiras buscarem desesperadamente no século XIX o embranquecimento do Brasil.
Toussaint nasceu em Haiti no de 1743, filho de negros escravizados, de propriedade do Conde Noé. Conseguiu sua alforria aos 35 anos, quando era elogiado como cocheiro particular de ótimo desempenho. Mas demonstrava desde criança curiosidade e logo aprendeu a ler e escrever.
Com o auxilio de seu padrinho, o professor Pierre Baptiste, Toussaint aprendeu as matérias básicas escolares e aprimorou seu francês. É bom salientar que a maioria no antigo São Domingos, falam uma mistura de dialetos indígenas, africanos e o francês – conhecido como patois.
Também foi a curiosidade que levou o jovem Toussaint a frequentemente passar horas na biblioteca do Conde Noé. Para sua sorte havia obras como Comentários de Julio César; Sonhos Militares do Marechal de Saxe; Vidas Paralelas de Plutarco e outros livros que ajudaram a formar sua estratégia militar e sua consciência política. Outros textos lidos eram os influenciados pelo período da Revolução Francesa, que pregava em seu lema: - Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Mas a situação das pessoas que viviam como escravo estava insustentável, num quadro parecido com o brasileiro, mas agravado pelo fato de São Domingos ser o fornecedor de 75% açúcar e café enviado para Europa. Dos africanos na ilha, era exigida uma carga de trabalho sobre humana, e o uso maus tratos era rotina.
Entretanto São Domingos era colônia francesa e os debates acalorados entre jabobicos e girondinos, que aconteciam na metrópole, também contaminou o clima da ilha e também os escravizados, com a visão de um mundo mais justo, onde ninguém seria julgado pela cor de pele ou posição social.
O futuro Haiti também era um barril de pólvora preste a estourar. Havia um desequilíbrio populacional étnico: 100 mil brancos, e aproximadamente 500 mil negros escravizados. Há documentos que estimam que 100 mil franceses como proprietários de 7.800 plantações.
Neste clima de uma cerimônia Vodu de Bois Cainman, no dia 14 de agosto de 1791, foi deflagrada a rebelião dos escravizados, liderada por Toussaint, que rapidamente consegue adesões e conquista parte do território de São Domingos.
Uma característica da rebelião de Toussaint foi mística. O líder sempre que possível se consultava com uma entidade das encruzilhadas da religiosidade africana de São Domingos: Legba – um deus dos caminhos e das mudanças. A entidade a exemplo de Exu - divindade do Candomblé, exigia sua convocação sempre no inicio das cerimônias, para manutenção da ordem espiritual.
Sob proteção do deus da mudança Toussaint forma e treina um exercito regular, com uma tarefa árdua: enfrentar todos os colonizadores: espanhóis, ingleses e os franceses. Mas a estes últimos ele só exigia a condição de relativa independência da ilha, sonhando com a manutenção das relações políticas comercias. Apesar de predominantemente negra, a rebelião em São Domingos tinha o mesmo perfil dos movimentos de emancipação de outros países do continente da América.
Os negros de São Domingos também estavam no meio de um embate entre duas potencias da época: Espanha e França. E os espanhóis cientes da oportunidade de tomar a ilha do Caribe dos franceses, passam a alimentar logisticamente e com armas o exercito de Toussaint. Mas o líder também tinha consciência critica e fez uso dessa aliança o tempo necessário para se fortalecer e depois romper com a Espanha e lutar também contra eles.
Durante o desempenho nas batalhas o líder haitiano obteve o apelido de Louverture – que teria como significado aproximado para o português de abertura, por sempre conseguir com manobras militares romper com a linha inimiga e criar uma brecha para o ataque.
Outra estratégia do líder da revolução haitiana foi ordenar a destruição da produção de açúcar com o fogo nos canaviais para enfraquecer os adversários com prejuízos financeiros.
Mas na ocasião de uma batalha contra o general francês Rigaud e Toussaint com seus 25 mil homens, o governador também francês, Heudoville disseminou a difamação dos haitianos acusando de massacrar inocentes habitantes em nome de sua revolta. Isso aconteceu em alguns casos, mas sem ordem do comando, mas por excessos cometidos por ambos os lados no ardor das batalhas. Toussaint ficou com mais um apelido além de Louverture – demônio dos canaviais.
A Convenção Nacional na França, em 1793 mudou os rumos da batalha, quando proclama que todos os escravizados na metrópole e nas colônias seriam livres. É a partir desse ponto que Toussaint passa a repelir os espanhóis e ingleses em nome da liberdade da futura Haiti.
Mas a rebelião não era executada só no domínio do líder haitiano Toussaint. Ele era auxiliado no comando hierárquico por um três homens de destaque – Jacques Dessalines, Henri Cristophe e Sanc Souci – o mais radical de todos. Os três no futuro iriam se enfrentar na luta pelo poder.
Mas o líder haitiano para mostrar-se como administrador aos olhos da população e da França, reorganizou a estrutura social da ilha, controlando a destruição das lavouras de cana-de-açúcar e a incentivando, ordena a construção de escolas, algo inacessível até então para o povo pobre. Ele tem planos de erradicação do analfabetismo, que foi vitima, nos seus anos de juventude.
Outra providencia governamental de Pierre Toussaint Breda foi à instalação de hospitais também abertos aos carentes. Ele mesmo era admirado por seus soldados, por além da coragem em campo, tratava dos feridos com ervas medicinais. Por seu conhecimento cientifico treinou uma unidade de enfermeiros com a mesma incumbência. Os anos de leitura da biblioteca do antigo amo, o norteava em suas atitudes.
Uma frase de um antigo general francês, Toussaint repetia para seus comandados “tende a coragem de ser um grande povo e logo sereis iguais às nações européias” E esse era seu sonho acalentado, modernizar seu país e dar ao povo a mesma condição de outras nacionalidades e como um dos maiores produtores de açúcar e café transformar o Haiti em potencia econômica.
No dia 8 de julho de 1801, Toussaint promulga a primeira Constituição de São Domingos, elaborada por um colegiado de 10 pessoas entre intelectuais, militares e sociedade civil. Nela o futuro Haiti se reconhece como parte do império francês e dá ao líder o titulo de governador geral da ilha, com direito a escolha de seu sucessor. Não é um regime democrático, mas é preciso analisar quais são os países que praticam essa forma de governo no mesmo período. E não devemos esquecer que ele Toussaint é fruto de etnias africanas onde a monarquia é a forma corrente de governo.
Mas alguém também percebeu sua intenção: Josephine – filha de uma rica família dominicana prejudicada pela revolta dos escravos – e esposa do Primeiro Cônsul da França, o ambicioso Napoleão Bonaparte.
O líder francês foi procurado por membros da elite dominicana apeados do poder no Haiti, que interessavam no restabelecimento da escravidão e da antiga forma de exploração econômica da ilha. Napoleão só pode atender ao pedido após firmar um acordo de paz com os ingleses e realizar um golpe, 18 Brumários, que deu poderes ilimitados criando uma nova constituição sob medida.
Com informações obtidas de contatos na França, Toussaint prevê uma invasão e um confronto com as forças napoleônicas. Antes envia sinais que deseja negociar uma coexistência pacifica. Mas para ambicioso Napoleão considerava uma desonra negociar com um ex escravizado, relações diplomáticas com São Domingos. Ainda mais, incomodado por sua esposa, que cobrava o uso da força, contra o rebelde.
Um obstáculo para o entendimento era abrir precedente para que outras colônias, não só francesas, se espelhassem o exemplo dos escravizados rebelados de São Domingos, e imitassem a atitude.
No dia 6 de fevereiro de 1802, as tropas napoleônicas desembarcaram no Haiti, com 40 mil homens. O exercito era formado por soldados experientes e mercenários de várias nacionalidades; franceses, espanhóis e poloneses. A frente deles está o cunhado de Napoleão, Victor Emmanuel Leclerc – casado com Pauline – irmã do líder francês. Leclerc é um militar com campanhas bem sucedidas no Egito, Alemanha e na Itália.
No combate a força repressora da França, além de derrotar a resistência, ataca a população, destrói engenhos, hospitais e escolas, desestabilizando a sociedade.
Analistas explicam que o erro de Toussaint foi o abandono da formação guerrilheira de seu exercito, o que o fez vencedor, para adoção do padrão clássico de enfrentamento frontal. Nesse modelo a experiente tropa napoleônica era quase imbatível. Isso demonstrado na batalha de Ravinea-Couleuvres.
Com a derrota das tropas chefiadas por Jacques Dessalines em Crête-a-Pierrot, o líder haitiano perdeu as perspectivas de contra ataque e foi obrigado a aceitar um tratado de paz. Oficialmente Toussaint depôs suas armas no dia 5 de maio daquele ano, sendo obrigado pelo acordo a permanecer em casa, extremamente vigiado.
Mesmo assim, devido a sua desenvoltura como governante o líder é procurado e consultado pela população, transformando-se num referencial e uma manutenção de sua vida passou a ser um obstáculo para os interessados na recolonização de São Domingos. Mesmo ele cumprindo o acordo a risca, não se envolvendo em atividades políticas.
Não tarda até que o clima de insatisfação do povo se materializasse em focos de guerrilhas, emboscando as tropas francesas, infringindo baixas físicas e no moral dos invasores.
Por orientação de Napoleão, Toussaint é detido no dia 10 de junho, acuado de conspiração e levado preso para França. O herói da resistência do Haiti é embarcado ironicamente no navio de nome “L Héros”, mas sem qualquer direito a acomodações de um militar de sua patente, obtida antes no exercito colonial.
Antes deixar a pátria que lutou para construir, Toussaint pressentindo o fim daquele processo discursa dizendo “ derrubando-me a mim, não abateram em São Domingos o tronco da árvore da liberdade dos negros. Ela se renova pelas raízes, que são numerosas e profundas” Praticamente é o sinal para que todos retomem a luta, o que acontece.
Pierre Toussaint foi enviado para o Forte Joux, região da fronteira entre França e Suíça, onde morreu no dia 7 de abril de 1803, sem um julgamento justo.
Seu exemplo e sua morte serviram de combustível para que no dia 1 de janeiro de 1804 para emancipação política, com Jacques Dessalines como primeiro dirigente. A derrota final das tropas napoleônicas, debilitados pela febre amarela não tiram o brilho da conquista da liberdade.
A mesma doença levou antes o cerebral general Leclerc, o vitimando. Foi substituído pelo cruel general Danatien Rochambeau, que num ato sádico, manda vir de Cuba, cães treinados para caçarem negros. Mas na batalha de Vertieres, no dia 18 de novembro de 1803, Rochambeau é derrotado por Capois la Mort, oficial haitiano, que acabaram se rendendo. A tática usada foi a antes abandonada guerrilha que voltou a dar resultados positivos no confronto da mobilidade das tropas rebeldes contra o arsenal tecnológico da França.
O ato da independência foi politicamente estudado para acontecer em Gonaives, terra de Toussaint, onde uma multidão assistiu. Dessalines lê o ato oficial redigido por Boisrond Tonnere que declarou a independência em nome dos homens negros e dos homens de cor.
Em sua memória, na ilha de Santa Helena, Napoleão, confidencia que antes ter negociado com Toussaint e mantido um controle sobre a ilha, a perde-la totalmente. “Eu deveria me contentar em governar por intermédio de Toussaint”, confidenciou o exilado ex-imperador francês ao conde Las Cases.
Calcula-se que mais de 200 mil pessoas morreram em 13 anos de conflito. A independência de São Domingos foi uma afronta ao orgulho europeu, que num acordo informal determinaram o isolamento da ilha. O nome Haiti foi adotado em homenagem aos índios nativos que foram antes dos negros escravizados e dizimados da região.
Apenas após uma indenização de 90 mil francos, em acordo firmado em 1838, mas nunca pago inteiramente, Haiti, teve a sua independência admitida pela França, e conseqüente, pelo resto do mundo. Mesmo assim, a historia já estava escrita: a primeira republica negra do mundo surgiu no Haiti e até hoje, eles pagam pela “ousadia” de determinar seu próprio destino.
O fenômeno do Haiti assustou as elites em todo o continente americano, que passou a incentivar ideologicamente a emigração de europeus para os paises, na tentativa de igualar ou superar em habitantes os negros. A idéia era evitar que a superioridade numérica incentivasse os negros – escravizados ou livres a se unirem e realizarem outras revoluções.

Autor: Marco Antonio dos Santos, membro do Conselho Estadual de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de São Paulo.

Caetano Veloso - Haiti

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui




4 comentários:

Marcio Alexandre M. Gualberto disse...

Parabéns, Marco. Excelente texto sobre este país irmão tão pouco conhecido de nós. Não foi à toa que as elites brasileiras sempre trabalharam e ainda trabalham para manter nosso povo na ignorância. Imagine o que seria o Brasil hoje se tivesse ocorrido um movimento semelhante ao do Haití?

Em verdade é por isso que eles se pelam todos quando falamos em ações afirmativas, em mais espaço para os negros nos postos estratégicos do país. No fundo, no fundo, sabem que um dia os filhos dessa elite terão que ceder seus lugares aos nossos filhos. E aí vamos ver que país surgirá.

Celio Jamaica disse...

parabens pela iniciativa! nosso povo precisa saber de onde veio para escolher para onde vai!
nossa historia esta cheia de horois que os nossa livro na contam !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1

visite tambem o meu blog
www.simplismentevida.blogspot.com

Anônimo disse...

thanks for this tips

banda subverso disse...

Uma coisa que choca é ver que apesar de tudo que podemos ler aqui, muitos idolatram figuras como a de Napoleão "porco" Bonapart. Um grande filho uma puta!